Carta de Dom Antonio aos Casais de Segunda União

 

Dom Antonio Augusto Dias Duarte, Bispo responsável pela Pastoral Familiar na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro divulgou uma carta aos casais de segunda união, dissertando a respeito da exortação Apostólica pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”.

CARTA AOS CASAIS DE SEGUNDA UNIÃO

Como Bispo responsável pela Pastoral Familiar na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, sinto-me obrigado a dirigir-me aos católicos que, depois de terem celebrado o Sacramento do Matrimônio, se divorciaram e contraíram novas núpcias.

A razão dessa carta que agora inicio deve-se ao anúncio recente feito pela mídia brasileira sobre a publicação da Exortação Apostólica pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, datada de 22 de fevereiro de 2007.

Como foi amplamente comentado nas paróquias e no meio católico, os títulos utilizados pela mídia escrita e televisiva causaram um grande impacto emocional e, até para muitas pessoas, provocaram reações de perplexidade, de indignação, de crítica, uma vez que tais notícias qualificaram essas novas núpcias como uma praga. A figura da nossa Igreja Católica e da pessoa do Santo Padre Bento XVI ficaram muito manchadas pela apresentação de um termo realmente presente no documento pontifício que foi extraído do seu contexto e nem sequer mencionado totalmente nesses noticiários do dia 15 de março passado, por isso considero muito conveniente conhecer todo o parágrafo que contém a palavra erroneamente traduzida como praga, pois no texto em latim, o termo exato é plaga, que significa ferida, chaga.

 

“Se a Eucaristia exprime a irreversibilidade do amor de Deus em Cristo pela sua Igreja, compreende-se por que motivo a mesma implique, relativamente ao sacramento do Matrimónio, aquela indissolubilidade a que todo o amor verdadeiro não pode deixar de anelar. Por isso, é mais que justificada a atenção pastoral que o Sínodo reservou às dolorosas situações em que se encontram não poucos fiéis que, depois de ter celebrado o sacramento do Matrimónio, se divorciaram e contraíram novas núpcias. Trata-se dum problema pastoral espinhoso e complexo, uma verdadeira ferida do ambiente social contemporâneo que vai progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos. Os pastores, por amor da verdade, são obrigados a discernir bem as diferentes situações, para ajudar espiritualmente e de modo adequado os fiéis implicados. O Sínodo dos Bispos confirmou a prática da Igreja, fundada na Sagrada Escritura (Mc 10, 2-12), de não admitir aos sacramentos os divorciados re-casados, porque o seu estado e condição de vida contradizem objectivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia. Todavia os divorciados re-casados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da cooperação na vida comunitária, do diálogo franco com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos.

Nos casos em que surjam legitimamente dúvidas sobre a validade do Matrimónio sacramental contraído, deve fazer-se tudo o que for necessário para verificar o fundamento das mesmas. Há que assegurar, pois, no pleno respeito do direito canónico, a presença no território dos tribunais eclesiásticos, o seu carácter pastoral, a sua actividade correcta e pressurosa; é necessário haver, em cada diocese, um número suficiente de pessoas preparadas para o solícito funcionamento dos tribunais eclesiásticos”.

 

Vejo muito necessário que todos os católicos que têm nas suas famílias pessoas nesse estado de vida e, especialmente, todos os padres, agentes de pastorais, coordenadores de movimentos familiares, reflitam pausadamente nessas linhas que revelam, por um lado, uma dor aguda e muito dolorosa presente nos corações dos pastores nos tempos atuais e, por outro lado, os cuidados infatigáveis e as orientações seguras da Igreja Católica, Mãe e Mestra de todos os batizados.

Na Exortação Apostólica “Familiaris Consortio” (22 de novembro de 1981) já foi apresentado o profundo vínculo querido por Cristo entre o Sacramento do Matrimônio e o Sacramento da Eucaristia. A união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e realizada na Eucaristia – Sacramento que revela à humanidade o amor infinito e fiel de Deus por cada homem e mulher – está visualizado e efetivado no amor conjugal. A expressão sacramental desse Amor de Deus está presente na indissolubilidade a que todo amor verdadeiro aspira que exista em todo matrimônio validamente contraído.

Uma vez que, por diversas razões que não vem ao caso discriminar nessa carta, a relação inter-matrimonial entre os esposos foi gravemente ferida e, muitas vezes, mortalmente, o vínculo do casamento se rompeu, o que a Igreja, através dos seus pastores, procura oferecer aos novamente casados, são orientações adequadas e certas para que se cure e se cicatrize essa ferida em suas vidas.

Bastantes são as orientações pastorais que revelam o amor maternal e pedagógico da Igreja Católica, e em todos os documentos sobressai sempre uma esperança: que os católicos em segunda união cultivem a sua vida cristã sob a luz da fé e da moral cristã e que permaneçam em comunhão com o Corpo Místico de Cristo.

Menciono aqui para o conhecimento desses casais e de todos os católicos que desejam conhecer a verdade sobre a conduta dos Papas e dos Bispos os seguintes documentos com os parágrafos correspondentes a esse acolhimento eclesial. Convém tê-los, ler com atenção e difundir seus ensinamentos.

Além da Exortação Apostólica “Familiaris Consortio”, parágrafo número 84, há uma outra Exortação sobre a Reconciliação e Penitência na Missão da Igreja de hoje (2 de dezembro de 1984), parágrafo número 34, que mostram esse rosto maternal e acolhedor da Igreja, existe também a Carta da Congregação da Doutrina da Fé aos Bispos da Igreja Católica, de 14 de setembro de 1994. No parágrafo número 6 desse documento se diz claramente que estes fiéis católicos “não estão excluídos da comunhão eclesial. Preocupa-se (a Igreja) por acompanhá-los pastoralmente e convidá-los a participar na vida eclesial (…) hão de ser ajudados a aprofundar na sua compreensão de valor da participação no sacrifício de Cristo na Missa, da comunhão espiritual, da oração, da meditação da palavra de Deus, das obras de caridade e de justiça”.

Nessa mesma Carta de 1994 se afirma que a Igreja oferece novos caminhos para demonstrar a nulidade do Matrimônio precedente – caso exista – uma vez que é de competência exclusiva dos tribunais eclesiásticos diocesanos o exame sério e profundo, pastoral e jurídico, da validade do matrimônio anterior desses católicos unidos em novas núpcias.

Quem é fiel ao juízo moral e aos cuidados pastorais da Igreja e observa filialmente a disciplina e a doutrina reveladas nas Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição, certamente obterá todo o alimento e proveito espirituais merecidos para nós por Nosso Senhor Jesus Cristo com a sua Vida, Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão.

Como a Igreja Católica é o Corpo Místico de Cristo, viver essa comunhão eclesial acima mencionada é viver dentro desse Corpo Místico, de tal modo que as orientações pastorais específicas para os católicos novamente unidos em casamento após o divórcio civil jamais, de nenhuma forma, serão discriminatórias, mas revelarão a fidelidade amorosa da Mãe-Igreja por esses seus filhos e filhas feridos no caminho das suas vidas.

Finalmente, caríssimos casais de segunda união, queria tecer um breve comentário sobre a palavra praga. Se pesquisarmos os seus sinônimos em qualquer dicionário da língua portuguesa certamente ficaremos chocados, pois nesse verbete há palavras fortes, tais como calamidade, grande desgraça, coisas nocivas ou desagradáveis. Mas toda palavra tem uma origem e esta na sua fonte latina oferece-nos uma visão bem mais serena e menos sensacionalista-emocional: plaga, plagae quer significar golpe, ferida, lesão, chaga. Sinceramente, penso que nós, Pastores e católicos, deveríamos ler a frase do Papa Bento XVI tendo presente esta fonte original, e não só os sinônimos frios do termo praga, porque ao escrever que o Sínodo reservou às dolorosas situações em que se encontram não poucos fiéis que, depois de ter celebrado o Sacramento do Matrimônio, se divorciaram e contraíram novas núpcias, uma mais que justificada atenção pastoral, está se descobrindo aos olhos do povo católico que a verdadeira praga do ambiente social não se refere primariamente às pessoas re-casadas e às suas novas famílias, mas que tais pessoas feridas injustamente na união anterior e pelas idéias e valores contrários à natureza do amor matrimonial, estão sofrendo muito e precisam dos cuidados de uma Mãe – a Igreja Una, Santa, Católica, Romana – e dos seus ensinamentos cheios de sabedoria e de amor.

Reconheço que me estendi muito nessas linhas, mas se assim fiz foi para dar consolo e para que todos nós, mais uma vez, olhemos para o verdadeiro rosto da nossa Igreja, o de Mãe amorosa, solícita e presente sempre ao lado de quem está ferido no coração.

Para acender nesses casais aos quais me dirijo nessa carta a esperança divina, aumentar a fé na Santa Madre Igreja, quero confiar-lhes ao Amor que tudo vence, que é o do Coração Eucarístico de Cristo.

Envio a todos as minhas bênçãos de Bom Pastor, de Pai e de Irmão em Cristo.

 

Rio de Janeiro, 20 de março de 2007

 

Dom Antonio Augusto Dias Duarte

Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro

Responsável pela Pastoral Familiar